Uma casa nos oferece inúmeros índices do espírito de seus habitantes. Cada objeto que abriga aponta escolhas, memórias e relações estabelecidas em seu interior: a disposição de sofás, cadeiras e mesas de jantar revelam hábitos — como a frequência com que os moradores recebem convidados; os livros nas estantes e os quadros que decoram as paredes apresentam seus interesses e trajetórias; os porta-retratos contam histórias de vínculos e memórias geracionais; a posição de uma poltrona ou de uma escrivaninha pode indicar o lugar onde alguém trabalhou ou elaborou pensamentos íntimos.
Em Fantasmagoria, exposição organizada em colaboração entre Carlos/Ishikawa, Etel e Almeida & Dale, peças do mobiliário original desta casa — onde Jorge Zalszupin viveu com sua família por quase seis décadas — dialogam com obras de artistas de reconhecimento internacional. É como se visitássemos uma casa cujos moradores acabaram de sair: o ar ainda carrega ecos de conversas passadas; o brilho da madeira guarda o calor dos corpos que por ali estiveram; e cada móvel parece conter a memória tátil de quem o manejou.
A residência modernista habitada por Zalszupin torna-se aqui um corpo vivo, testemunha silenciosa e palco para interações entre as memórias que carrega e aquelas evocadas nas obras de Marlene Almeida, Korakrit Arunanondchai, Steve Bishop, Josiane M.H. Pozi e Issy Wood. Os materiais e revestimentos da casa — equilibrando formas orgânicas e precisão construtiva — refletem as experiências vividas pelo arquiteto, que soube fundir a tradição escandinava ao modernismo brasileiro. Assim como o mobiliário exposto, que é testemunho simultâneo da história do design no país e da vida íntima de um dos maiores ícones do design e arquitetura brasileiros. Aqui, os objetos funcionam como portais que materializam tempos e memórias: experiências pessoais que, ao mesmo tempo, reverberam toda uma época e permanecem vivas até hoje.
Uma relação semelhante ocorre nas pinturas de Issy Wood. Nelas, os objetos parecem dotados de agência própria. Em telas onde o corpo é mais sugerido do que representado, os elementos domésticos condensam relações, desejo, saudade e tensões de consumo — desnaturalizando a banalidade dos gestos cotidianos.
A intimidade surge como campo ambíguo e conflituoso no trabalho de Josiane M.H. Pozi, cujo vídeo nos transporta a um momento trivial e agudamente pessoal, confrontando-nos com a fragilidade das emoções no limiar da solitude e solidão. O apagar das luzes e as memórias deixadas para trás nos espaços de convivência são explorados por Steve Bishop em um vídeo nostálgico e melancólico que aborda ausência e permanência, e o embate entre espaço habitado e forças naturais.
Relembrando-nos da pedra sob nossos pés e da madeira acima de nossas cabeças, Marlene Alemida, nos conduz a estágios primordiais da matéria. Apontando para o substrato vivo e, muitas vezes, esquecido sobre o qual erguemos nossas fundações — impregnado de camadas temporais impalpáveis. Em relação à sua produção, os espaços tornam-se inerentemente dotada de história desde seus estágios mais primários.
Não se trata, aqui, portanto, de uma fantasmagoria assombrosa, mas de um convite a reconhecer a vida que persiste em cada canto — a memória e os ecos passados que continuam a ressoar. Como nos lembra Korakrit Arunanondchai, os fantasmas nos acompanham e podem servir de guias, conduzindo-nos pelas passagens materiais e imateriais a que estamos submetidos em um tempo marcado pela virtualidade e pela dataficação dos sujeitos.
Entre pinturas, esculturas e vídeos, as obras reunidas convocam um entrelaçamento de memória e matéria que resiste à erosão do tempo. A Casa Zalszupin se torna, assim, um corpo ressonante, onde a ausência se mostra um fragmento pulsante da vida.

 

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